sábado, 5 de outubro de 2013

Controle social

Controle social
Não estamos numa situação privilegiada ou ótima de participação popular na condução da coisa pública, como a experiência prática e a literatura acadêmica podem bem testemunhar..." O tema do controle social das políticas públicas no Brasil é, desde pelo menos os anos 1980, recorrente entre os diversos movimentos sociais e entre os gestores públicos comprometidos com um desenho institucional aberto a esse tipo de iniciativa. No entanto, a existência desse debate não significa que estejamos numa situação privilegiada ou ótima de participação popular na condução da coisa pública, como a experiência prática e a literatura acadêmica podem bem testemunhar. É preciso fazer uma comparação entre o que a legislação prevê e o que efetivamente ocorre no interior das instituições públicas, procurando nessas quase duas décadas de experiências aquilo que se mostrou efetivo e aquilo que demonstra a fragilidade desse modelo de participação. O Observatório dos Direitos do Cidadão, um projeto do Instituto Pólis em parceria com o Instituto de Estudos Especiais da PUC-SP, procura verificar como as políticas públicas têm se desenvolvido na cidade de São Paulo desde as primeiras administrações que sucederam a promulgação da Constituição de 1988. Foi nesse momento que surge no país (por meio de grande participação e pressão social na Assembléia Nacional Constituinte) o conceito de “controle social” das políticas públicas, que depois foi regulamentado por meio de leis específicas, como por exemplo, aquelas que instituíram o Sistema Único de Saúde, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Orgânica da Assistência Social, todas elas prevendo instâncias de consulta e deliberação cidadãs, por meio de conselhos de direitos nos três níveis do executivo (federal, estadual e municipal). Desde 2001, o Observatório produz uma série de cadernos que vem analisando as políticas municipais de Saúde, Educação, Assistência Social, Habitação, Direitos da Criança e do Adolescente e Orçamento. Um olhar panorâmico sobre a produção realizada até agora do caso paulistano indica um inequívoco evolução da participação cidadã no controle social dessas políticas, se tomamos como base o que existia antes da Constituição de 1988. Nunca é demais lembrar o tipo de desenvolvimento político que o país experimentou desde os tempos da América Portuguesa, e o caráter demasiadamente elitista que prevaleceu desde o início de nossa República. Olhando sob essa ótica, temos uma melhora na qualidade da cidadania exercida pela população. Mas um olhar mais atento a essa produção indicará também os enormes desafios que surgiram na construção desses espaços institucionais de controle social das políticas. O primeiro desafio é aquele vinculado exatamente a essa cultura burocrática avessa à participação cidadã das políticas públicas. O modelo de Estado que foi construído ao longo da história do Brasil sempre descartou qualquer possibilidade de controle social, levando às últimas conseqüências aquela visão “meritocrática” que o sociológo alemão Max Weber descreveu ao falar das modernas organizações públicas e privadas. Esse modelo de gestão acredita que governar é uma atividade restrita a especialistas, e elementos fora desse staff constituiriam corpo estranho ao aparato estatal. Lógico que isso foi reforçado no Brasil pela postura elitista descrita acima, aliás muito bem discutida por Raymundo Faoro em seu clássico Os Donos do Poder. É importante dizer que, mesmo com toda crítica feita ao Estado herdeiro do varguismo, persiste sob nova roupagem essa convicção de que governar (administrar) é uma atividade restrita a “gerentes”. O desdobramento lógico disso é a dificuldade que os conselheiros municipais e representantes dos movimentos sociais encontram para acessar informações do município e para compreender a linguagem bacharelesca usadas por muitos gestores públicos. Um segundo grau de desafio é, paradoxalmente, o surgimento de inúmeros espaços institucionais de participação e a conseqüente pulverização do controle social em vários canais pouco efetivos. Dada a dificuldade no Brasil de fazer valer os direitos sociais, existe grande demanda por novas leis que possam pressionar o poder público no sentido de prover serviços públicos de qualidade. A mesma lógica ocorre com relação aos espaços de participação. Quando se percebe que alguns deles são pouco eficazes na garantia do controle social, os atores políticos pressionam por mais espaços participativos. Quando levamos em conta que parte da classe política e do staff burocrático não atribui importância a esses instrumentos, então notamos que muitas vezes eles se propagam em um formato de conselho consultivo, sem poder real, desgastando sua imagem e levando ao descrédito perante parte da sociedade. Um terceiro grau de dificuldade para as formas democrática de participação cidadã está ligada a essa segunda, pois diz respeito à dificuldade que os movimentos sociais e populares possuem de uma real articulação de suas lutas e reivindicações. Notemos que o poder público (seja local ou nacional) possui um único orçamento e deve prover os mais diversos serviços ao conjunto da sociedade. Portanto é imprescindível uma ação coordenada que possa exercer uma pressão nos gestores públicos que consiga garantir a implementação das políticas que interessam aos cidadãos. Ainda que exista de fato um grande esforço dos movimentos nesse sentido, como atestam a Central dos Movimentos Populares e a Coordenação dos Movimentos Sociais, não é raro encontrar em muitos segmentos uma postura demasiadamente corporativa, que olha apenas para suas questões específicas. E se o grau de fragmentação das lutas sociais é muito elevado e pouco articulado, reina a máxima do “dividir para governar”, muito útil para aqueles governantes que pouco investem em uma cidadania ativa. Esse tipo de postura corporativa é muito observada naquelas políticas sociais que estão estruturas em redes mistas (estatal e privada) de prestação de serviço, que utilizam fundos públicos para a promoção de determinados direitos, ou então em movimentos sociais que lutam para conquistar um objetivo bem específico, como é o caso da terra, da moradia ou de benfeitorias em determinado bairro da cidade. Nosso país, que está consolidando esses instrumentos de gestão pública e de controle social, apresenta casos interessantes de como administrar de forma democrática e transparente o Estado, ainda que muitas experiências tenham tido uma vida muita efêmera.

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